Palácios de Pena (Gabriel Abrantes, Daniel Schmidt, 2011) |
Com uma formação
artística divida entre os Estados Unidos (Cooper Union) e a França (Le Fresnoy), ainda muito jovem, Gabriel Abrantes (1984) impôs-se em Portugal como um
dos mais importantes artistas plásticos. Por volta de
2009, participava em exposições de artes plásticas sem dar preferência a
qualquer técnica artística: pintura, escultura, fotografia ou filme. Nesse ano.
ganhou o prémio EDP Novos Artistas com uma magnífica instalação do filme Too
Many Daddies, Mommies and Babies. O filme estava dividido em três partes que, organizadas
cronologicamente, eram apresentadas em três diferentes espaços expositivos,
distantes geograficamente e no papel que assumiam dentro da vida cultural da
cidade de Lisboa: Lumiar Cité, Galeria Zé dos Bois e Fundação EDP. Na altura, o artista referiu, como um dos interesses, a critica institucional. Isso era
assinalado pelo trabalho que se tornava bastante irónico, não só pelo título e
o contexto em que era apresentado, mas também pela viagem que propunha - entre
a escola, a galeria independente e o espaço institucional. A instalação onde o
filme era projectado, exibindo o resto dos materiais e os cenários das
filmagens, reforçava o lado artesanal do filme - lado esse que resultava
sofisticado e nunca amador - e também a forte influência que sobre ele exerciam
os cineastas experimentais norte-americanos da segunda metade do séc. XX.
Enquanto artista plástico, este trabalho deu a Gabriel Abrantes o maior
reconhecimento mediático que até então tivera. Hoje, talvez possamos ver esse momento como um ponto de viragem
na sua carreira. A partir daí, institucionalizado ou não,
passou a dedicar-se maioritariamente à realização de filmes, continuando a
repartir a direcção de grande parte deles com outros artistas. Não se rendeu às
dificuldades de financiamento e procurou vias alternativas fora dos modelos
habituais. Para responder às restrições orçamentais, o elenco era constituído
pelos próprios autores, convidados ou actores não-profissionais e isso, mais
uma vez, em vez de ser encarado como uma limitação, era utilizado como forma de promover
novas abordagens estéticas. Entretanto, deu-se a passagem da sua obra pelo
circuito dos festivais de cinema internacionais - Locarno, Roterdão, Veneza e
Viena - e depois os prémios.
O IndieLisboa tem
acarinhado Gabriel Abrantes, mostrando e premiando os seus filmes com regularidade. Em 2011, em conjunto com a FNAC, o IndieLisboa criou um fundo com as receitas de venda de um
DVD composto por curtas-metragens portuguesas premiadas no festival. Um dos
primeiros realizadores a ser apoiado por esse fundo foi Gabriel Abrantes, para
proceder à finalização da produção do filme Palácios de Pena (2011), que está a ser mostrado na presente
edição do IndieLisboa. Realizado em conjunto com Daniel Schmidt, teve a sua
estreia no Festival de Veneza do ano passado. Trata-se de uma versão longa do
filme que Abrantes criou para a exposição O Dia Pela Noite, que decorreu na discoteca Lux, entre
2010 e 2011. O filme segue duas adolescentes, na sua relação com a avó, e o seu
confronto com o passado de Portugal, nomeadamente com alguns dos seus momentos
mais opressivos: a inquisição, o fascismo ou o colonialismo. Tudo é apresentado
de uma forma metafórica, onde surgem múltiplas camadas que vão sugerindo novas
entradas. Os espaços e os tempos cruzam-se, desprezando a rigidez linear e
convocando uma realidade onírica. Palácios de Pena fala-nos de um Portugal, onde a consciência dos
mais jovens é formatada por modelos criados por Hollywood, que desprezam as
especificidades locais. O interesse de Gabriel Abrantes pelo cinema de
Hollywood poderá causar surpresa, apenas àqueles que não têm acompanhado o seu
trabalho. Numa entrevista datada de 2009, o artista elegeu, como os filmes que
mais o marcaram: Scorpio Rising (Kenneth Anger), Passion of Joan of Arc (Carl Dreyer) e, para horror de muita gente, Transformers (Michael Bay). Mas, Palácios de Pena, ao expor o imprevisto, revela também o
lado artesanal do cinema e transforma-o em mais valia. Um helicóptero que passa
pode tornar-se num forte elemento narrativo. Um incêndio florestal, filmado
algures no norte de Portugal, é deslocalizado e tornado parte do espaço onde
decorre a acção. No que diz respeito ao elenco, gostaríamos de destacar o
trabalho impecável das actrizes, tanto das duas jovens como da ternurenta avó.
Haverá ainda uma outra exibição deste filme no IndieLisboa, no dia 3 de Maio.
Aconselhamos vivamente. Para quem está perto de Guimarães, sugerimos uma visita à
exposição colectiva O Castelo em 3 Actos: Assalto, Destruição, Reconstrução,
onde pode ser vista a instalação de um novo filme de Gabriel Abrantes,
Pássaros. //
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