Opening: Sleepy Hollow



Sleepy Hollow (Tim Burton, 1999), imagem da rodagem



Não é o fracasso de Dark Shadows que mancha a obra imensa de Tim Burton. Mas, temos de admitir que, ultimamente, tem andado longe da mestria que lhe conhecíamos. Sem contar com as animações, é necessário recuar até 1999 para lhe encontrar um grande filme e a sua última obra-prima. Falamos, é claro, de Sleepy Hollow (A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça). Na sua terceira colaboração com Tim Burton, Johnny Depp veste a pele de Ichabod Crane, um investigador policial que vê o seu racionalismo desafiado, quando é enviado para Sleepy Hollow, para desvendar o mistério de várias mortes causadas por um cavaleiro sobrenatural que rouba a cabeça das suas vítimas. Os fabulosos ambientes do filme foram criados artesanalmente em estúdio, sem a tentação da utilização do tratamento digital, criando uma fantasia que tanto vai beber aos clássicos da Hammer, como a algum Mario Bava. Num comentário publicado na revista Cahiers du Cinema, Burton afirmou que na preparação do filme teve em conta o trabalho dos realizadores de cinema de terror e de série Z, que, muitas vezes, utilizavam os mesmos cenários, destruindo-os e reconstruindo-os, com a intenção de os conduzir a uma reciclagem que tinha tanto de artesanal como de criativa. Sigamos o link abaixo, para rever os créditos iniciais do filme e espreitar os seus cenários. //

Rich Kid on Acid



Dark Shadows (Sombras da Escuridão, Tim Burton, 2012)


Dark Shadows (Sombras da Escuridão, 2012), de Tim Burton, adapta a série televisiva homónima, criada por Dan Curtis e emitida pela cadeia ABC, entre 1966 e 1971. No centro do filme está o confronto entre a bruxa Angelique Bouchard (Eva Green) e o vampiro Barnabas Collins (Johnny Depp), a personagem mais popular da série. Angelique é apaixonada por Barnabas e, quando descobre o seu interesse por outra mulher, condena-o à condição de vampiro e enterra-o num caixão, que se tornará a sua prisão, durante cerca de duas centenas de anos. Acidentalmente, os funcionários de uma empresa de construção libertam Barnabas, que descobre que Angelique ainda é viva e comanda os destinos da cidade. Assim, Barnabas terá de enfrentar a sua eterna inimiga, e apaixonada, enquanto lida com a  decadência da familia Collins, longe do fulgor económico de outros tempos.

Já tivemos a oportunidade de declarar o nosso amor pela série original de Dan Curtis. Para quem está familiarizado com ela, entrar em Dark Shadows, de Tim Burton, pode ser um choque. O tamanho do écran de cinema, a escala dos cenários, os efeitos especiais digitais e as cores vibrantes têm muito pouco a ver com a austeridade e a teatralidade da série de Curtis. Nunca nos pareceu tarefa fácil transformar a longa série original numa hora e meia de filme, mas Tim Burton surgiu como a escolha acertada para lidar com a sua mistura equilibrada de terror, gótico e camp. Surpreendentemente,  o resultado que o realizador apresenta, no filme que agora estreou, é muito desequilibrado e poderá não agradar, nem aos fãs da série (e são muitos), nem ao restante público.

Tim Burton parece decidido a concentrar no filme uma boa parte das personagens e da história da série original,  pelo que abre logo com um dispensável prólogo que, em versão fast forward, mostra os acontecimentos que levaram à condenação de Barnabas. Ao som de Nights in White Satin, dos The Moody Blues, entramos em 1972, com a chegada de uma jovem mulher, Victoria Winters (Bella Heathcote), à cidade de Collinsport, onde ficará encarregue da educação de um rapaz da família Collins.  Apesar de ter sido lançado, inicialmente,  em 1967, o tema musical dos The Moody Blues foi  um enorme sucesso nos Estados Unidos em 1972, o ano em que foi reeditado e em que também decorre a acção do filme. Inesperadamente, a lamechice do tema adquire aqui uma certa graça, talvez pela combinação com um negrume que, ainda que erradamente, antecipamos.

O regresso de Barnabas Collins a Collinsport marca um dos poucos momentos relevantes do filme. Depois de ter sugado os operários que trabalhavam no terreno onde estava sepultado, caminha pela cidade em direcção à mansão da família, com a face e a roupa a escorrerem sangue, denotando uma violência e falta de pudor, que se encontram ausentes no resto do filme. É o único sinal de nevoeiro que desce sobre um Dark Shadows demasiado solarengo.  O confronto de Barnabas Collins, "adormecido" durante duzentos anos, com a cultura da época era suposto divertir mas apenas provoca enfado. Quantas vezes é que já vimos isto? Ainda por cima, temperado por um tipo de graçola que parece dirigida a um público de doze anos. É de Tim Burton de quem falamos e de quem esperaríamos algum requinte e delicadeza. Ainda nos lembramos de Edward Scissorhands (Eduardo Mãos de Tesoura, 1990), da descida de Edward ao bairro de classe média e do seu desajustamento em relação à cultura suburbana que aquela sociedade representa. Alguém falou em sensibilidade ou subtileza? Algo que falta a Dark Shadows.

Tim Burton despacha um conjunto de excelentes actores secundários, sem que haja qualquer cuidado no trabalho das suas personagens. São apenas adereços no confronto entre os bonecos de Johnny Depp e Eva Green. Se eram muitas as saudades que tínhamos de Michelle Pfeiffer, saímos da sala com pena de mais esta oportunidade perdida.

Com uma composição musical pouco inspirada, efeitos digitais bocejantes, um verdadeiro festival de cores e todas as mordomias que um grande estúdio pode proporcionar, eis a remix de Dark Shadows, versão "rich kid on acid", que Tim Burton nos apresenta. Perto do final, quando Barnabas olha para o coração de Angelique, ainda esperamos por algo que nos surpreenda e salve o filme. Que Barnabas pegue no coração e o devore. Mas, nem isso. Dark Shadows é, para já, o pior filme do ano. Não porque seja realmente mau. Há, por aí, filmes muito piores. Mas, com esses, nem sequer perdemos tempo. //

veja aqui a nossa apresentação da série televisiva original