Opening: The Exorcism of Emily Rose


The Exorcism of Emily Rose (Scott Derrickson, 2005)



Em The Exorcism of Emily Rose (O Exorcismo de Emily Rose, 2005) de Scott Derrickson, ainda a negro, ouvimos gritos de dor e desespero. Logo depois, surge a primeira imagem: o arame farpado ensanguentado que rodeia a propriedade dos Rose, e uma gota de sangue cai. Esta é a porta que separa o mundo da razão do dos espíritos. E é pela mão de um médico legista, um homem da ciência, que a ultrapassamos e nos dirigimos a um cenário de desolação. Enquanto isso, os créditos surgem fantasmáticos sob a forma de fade in e fade out contínuos. É provável que a casa  dos Rose esteja suspensa no meio do tempo. A neblina e a neve sobressaem no horizonte. O campo de milho e o de abóboras perderam a vitalidade que os fizera crescer. Quando o médico bate à porta da casa, não há qualquer sinal de movimento que venha do interior. Dir-se-ia que está desprovida das capacidades funcionais que permitem a vida humana, como parte de um cenário que ultrapassa o domínio da experiência e do reconhecível. Cá fora, alguns gatos correm pelo chão para se esconder. Um enxame de vespas zumbe nervoso em volta do ninho. Em determinadas mitologias, atribui-se, tanto aos gatos como aos insectos, um papel fundamental no acesso do mal sobrenatural ao mundo material. A primeira pessoa que o médico observa é o padre responsável pelo exorcismo que, aparentemente, vitimou Emily Rose. Este frente a frente é o ponto de partida para a luta, entre as esferas do racional e do espiritual, que domina todo o filme. A entrada de The Exorcism of Emily Rose lembra a chegada de Ichabod Crane a Sleepy Hollow, no filme de Tim Burton com o mesmo nome e que propõe o mesmo tipo de confronto. É para aí que também nos remetem os campos de milho e os de abóboras.


The Exorcism of Emily Rose (Scott Derrickson, 2005)



Porém, as imagens iniciais são enganadoras pois, antes de mais, The Exorcism of Emily Rose é um clássico drama de tribunal. O padre é acusado de negligência e sujeito a uma acção judicial com fortes repercussões mediáticas que podem ferir tanto a posição da Igreja como a do Ministério Público. Para complexificar o processo, na sua defesa é colocada uma agnóstica e na acusação um crente. Depois dos créditos iniciais, o tribunal passa a ser o palco do teatro onde decorrem os jogos de poder e de sedução que pretendem influenciar a avaliação dos factos que o júri e, por conseguinte, o espectador poderão fazer. É isso que nos cativa num bom drama de tribunal e que The Exorcism of Emily Rose executa de forma superior. Também aqui estão presentes os habituais, e neste caso arrepiantes, flashbacks que retratam o calvário de Emily Rose. Num dos últimos, já perto do fim, voltamos ao exterior da propriedade dos Rose, onde tínhamos começado. E é aí que, entre a neblina, a crente Emily Rose aceita a missão espinhosa que o seu Deus, apelidado de bondoso e amante dos mortais, lhe atribuiu. Recentemente, a propósito de Sinister (2012), o último filme de Scott Derrickson, falávamos de noites mal dormidas. Se isso lhe acontecer e acordar por volta das três da madrugada lembre-se que, tal como sugerido em The Exorcism of Emily Rose, essa é a hora em que todas as forças demoníacas andam à solta. E tenha medo, muito medo. //

Link para The Exorcism of Emily Rose    

Sinister


Sinister (Scott Derrickson, 2012)



Se sempre evitou ouvir a música dos Sunn 0))) à noite, quando está sozinho em casa, e tinha vergonha de contar, agora já tem uma óptima desculpa. É que o tema Blood Swamp, feito em colaboração com os Boris para o celebrado álbum Altar (Southern Lord, 2006), faz parte da banda sonora de Sinister (2012). Apesar de algumas críticas negativas que tem recebido, Sinister apresenta-se como uma boa surpresa que poderá causar alguns dos maiores sustos de 2012. Realizado por Scott Derrickson tem Ethan Hawke no papel principal e, mesmo com um orçamento modesto, conseguiu uma entrada directa para o terceiro lugar do box office norte-americano. No mesmo período, Paranormal Activity 4 (Henry Joost, Ariel Schulman, 2012)  conquistava o primeiro lugar. Depois dos anos do torture porn, dá-se assim uma certa normalização da tendência que se tem manifestado nos últimos anos: a preferência do público americano pelo terror atmosférico em detrimento de uma mistura de sangue com sexo.

Ellison Oswalt (Ethan Hawke) muda-se, juntamente com a família, para uma casa onde os anteriores residentes, excepto uma das filhas que desaparecera, foram assassinados. A partir destes acontecimentos, Oswalt conta escrever um livro novo que lhe devolva a popularidade e o dinheiro perdidos. Enquanto se instalam, encontra no sótão uma caixa com filmes super 8 que, sem mostrarem o autor dos crimes, documentam os assassinatos de várias famílias, incluindo aquela que antes vivera naquela casa. A partir daí, a questão que se lhe coloca é saber quem é que teria filmado aquelas imagens. Enquanto avança no visionamento e análise das imagens descobre a dita Entidade do Mal - foi este o subtítulo escolhido pelo distribuidor português para o filme  - que se alimenta das imagens para atingir os seus fins. As imagens transformadas em agentes do mal, como portal entre o seu reino e o mundo mortal.

Com Sinister, Scott Derrickson confirma as expectativas criadas por The Exorcism of Emily Rose (O Exorcismo de Emily Rose, 2005), o filme de tribunal reinventado a partir de uma perturbadora possessão demoníaca. Se Jennifer Carpenter (Emily Rose) tinha um desempenho impressivo e que foi determinante no lançamento da sua carreira – actualmente, podemos segui-la na série televisiva Dexter (James Manos Jr., 2006– ), como irmã do nosso serial killer favorito -, Ethan Hawke já nada tem a provar. Mas o que se destaca em Sinister é o desenho de som e a direcção de arte que são simplesmente notáveis. Não, não estamos a falar de compositores da moda e de cenários e guarda-roupa luxuriantes. Trata-se de uma produção de um grande estúdio e, em vez do habitual fogo de artificio, temos subtileza e eficácia. Os Broadcast também contribuem para a banda sonora. E até somos brindados com uma menina que pinta como se fosse discípula de Peter Doig. Ainda anda por aí nalgumas salas de cinema e promete noites mal dormidas. //