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Hostel (Eli Roth, 2005)


Durante a década de 2000, Eli Roth encabeçou um grupo de cineastas, ao qual foi dado o nome de Splat Pack, que lançou um conjunto de filmes do género splatter, mostrando imagens de uma violência extrema e nudez pouco frequentes para o contexto em que eram produzidos e distribuídos. Se anteriores trabalhos neste campo, principalmente nas décadas de 1970 e de 1980, eram criados em contextos independentes e relegados para sessões tardias ou circuitos de exibição específicos, o grupo dos Splat Pack produzia os filmes dentro de poderosos estúdios e utilizava as grandes cadeias de distribuição para chegar ao maior número de espectadores. Os orçamentos de produção destes últimos também eram, comparativamente, muito superiores. O segundo filme de Eli Roth, Hostel (2005), chegou ao primeiro lugar do box office norte-americano, devolvendo ao estúdio que o produziu consideráveis lucros. O grande sucesso comercial destes filmes pôs os cabelos em pé a muitos críticos de cinema norte-americanos que não se contiveram na linguagem que utilizaram para descrever o fenómeno. Os mais conservadores consideraram que os realizadores eram doentes e que os espectadores que se divertiam com os filmes não passavam de um bando de depravados, sádicos e masoquistas. Uma América inteira a precisar de uma longa sessão no divã do psicanalista, portanto. Torture porn foi o termo que o critico David Edelstein utilizou para descrever este grupo de filmes. O título do artigo de Edelstein era, esclarecidamente, Now Playing at Your Local Multiplex: Torture Porn. Why has America gone nuts for blood, guts, and sadism?. O estúdio Lionsgate, onde foram produzidos muitos destes filmes, ficou, definitivamente, denominado como a casa do torture porn.

Eli Roth, filho de uma artista e de um psiquiatra, passara a infância e a adolescência a devorar filmes de terror. No cinema local era muito conhecido pelos funcionários, não só pela assiduidade e tenra idade - com oito anos viu Alien (Ridley Scott, 1979), acompanhado pelos pais - mas também pela frequência com que vomitava durante as sessões. Consta que, a sua persistência em continuar a ver os filmes, levava a que o fizesse mesmo dentro da sala. Num desses dias, decidiu que haveria de ser realizador de cinema. Acabados os estudos, escreveu, em parceria com um amigo, e realizou o seu primeiro filme, o óptimo Cabin Fever (2002), que se tornou um grande sucesso comercial e o levou para o circulo de protegidos de Quentin Tarantino. Este afirmou publicamente que Roth era o futuro do cinema de terror e produziu os seus dois próximos filmes, Hostel (2005) e Hostel: Part II (2007). Hostel é a obra maior do torture porn e um dos filmes de terror mais importantes da década de 2000. Aos que acusavam o torture porn de primário e vazio de crítica social, Roth respondia com um filme fortemente político que dirigia a uma América fascinada com a violência e que a obrigava a olhar de frente para os seus fantasmas. O filme lança uma crítica feroz ao capitalismo e à globalização, mapeando a circulação da violência e do sexo, num quadro em que todas as necessidades tendem a ser mercantilizadas através do uso de complexas redes transnacionais. A produção do filme coincidiu com o rebentar de dois grandes escândalos relacionados com o uso da tortura por parte das forças armadas e agências militares norte-americanas.  Um deles estava relacionado com a divulgação de imagens captadas na prisão iraquiana de Abu Ghraib, onde soldados norte-americanos eram mostrados a torturar violentamente prisioneiros, muitos deles mantidos ali sem acusação e outros sem qualquer culpa nas alegações que lhes eram feitas. O outro escândalo estava associado à CIA, sendo a agência acusada de ter utilizado várias bases na Europa de Leste para interrogar e torturar prisioneiros acusados de terrorismo. Ali, longe do controle da lei americana, eram utilizados procedimentos muito pouco convencionais e o escândalo propagou-se também a outros países, inclusive Portugal, que teriam autorizado a utilização de bases locais para o transporte dos hipotéticos terroristas. É precisamente nessa nova e misteriosa Europa, renascida do Bloco de Leste, que Roth situa a sua narrativa e onde os americanos, por momentos, largam a posição do carrasco e se sentam na cadeira da vítima. Em determinado ponto  do filme, uma das personagens, no meio de uma rixa num bar, grita: I'm american! I have rights!


Imagem de torturas na prisão de Abu Ghraib, © Associated Press


Em Hostel encontramos dois jovens turistas americanos e um islandês a viajarem pela Europa em busca de sexo e drogas. Enfadados com o que encontram na velha Europa (Holanda), dirigem-se para uma outra, nova e sedutora (Eslováquia), onde as raparigas têm corpos de capa de revista e não pedem licença para se despir. Com o inferno logo ao virar da esquina, são apanhados numa rede dirigida a clientes internacionais que pagam somas avultadas para torturar e matar jovens incautos. Uma enorme instalação industrial desactivada é utilizada como base para as operações e onde as vítimas são preparadas para se adequarem à fantasia do torturador. Este paga de acordo com a nacionalidade do jovem e, evidentemente, os americanos estão no topo da tabela de preços. Numa escolha feliz, um carrasco é representado por, nem mais nem menos que, o realizador japonês Takashi Miike, outro que também foi colocado na prateleira do torture porn. Em Hostel: Part II os rapazes dão lugar a três raparigas, norte-americanas, que também na Europa, fazem um percurso semelhante e vão parar ao mesmo local. À sua chegada é lançado um secreto leilão internacional, tipo eBay, muito disputado, para escolher os contemplados com a execução das torturas. Um dos arcos narrativos acompanha dois clientes ricos que fazem parte da rede e que levantam o pano relativamente às suas vidas e motivações. Há uma sequência que se replica do primeiro para o segundo filme e que resulta numa homenagem e agradecimento a Quentin Tarantino, também dono de um cinema intransigente, que não se quer refém das normas estabelecidas. No momento da entrada dos jovens na recepção do hotel onde ficam hospedados, na televisão passa Pulp Fiction (1994), dobrado na língua local. Tal como Tarantino, Roth conhece bem e cita os clássicos italianos e japoneses ditos menores, ao arrepio das convenções do cinema que se celebra como sério, dos críticos e dos teóricos.

Dias antes de Hostel: Part II ser lançado, uma cópia da versão final foi parar à internet e ao mercado de rua, o que levou a que, no dia em que estreou, já tivessem sido contabilizados cerca de dois milhões de downloads. Assim, os lucros do filme ficaram abaixo do esperado e em alguns países acabou por nem ser lançado. Relativamente a este facto, na Deadline, o editor Nikki Finke referia: Lionsgate deserves to feel the effects of piracy (not to mention the wrath of mankind) for distributing such a disgusting film. I always support a moviemaker’s right to make whatever creative project he wants. But when businesses profit off uber-violence, the marketplace shouldn’t reward them. Às críticas que lhe eram dirigidas, sobre o excesso de sangue nos seus filmes, Eli Roth respondia, em entrevista à mesma Deadline: Hopefully we’ll get to a point where there are absolutely no restrictions on any kind of violence in movies. I’d love to see us get to a point where you can go to theaters and see movies unrated and that people know its not real violence. Hoje, sabemos que esse momento ainda não chegou, mas desde o lançamento de Hostel: Part II, o cinema extremo deu um enorme passo em frente com uma nova vaga de filmes independentes protagonizada por The Human Centipede (First Sequence) (Tom Six, 2009), The Human Centipede II (Full Sequence) (Tom Six, 2011) e A Serbian Film (Srdjan Spasojevic, 2010), mas isso é uma conversa para outro dia.

Com a passagem da década, declinava o sucesso comercial do torture porn produzido pelos grandes estúdios americanos, a favor de um cinema de terror atmosférico ou do tipo found footage - Paranormal Activity 1, 2 e 3 (Oren Peli, 2007; Tod Williams, 2010; Henry Joost, Ariel Schulman, 2011) e The Last Exorcism (Daniel Stamm, 2010, também produzido por Eli Roth). Durante vários anos falou-se de uma terceira parte para Hostel, mas Eli Roth cedo se demarcou do projecto e desejou sorte ao senhor que se seguia. Em Dezembro de 2011, a Lionsgate lançou finalmente nos Estados Unidos a terceira parte da série, Hostel: Part III (Scott Spiegel), que não passou pelas salas e foi parar directamente ao mercado do DVD. A falta de empenhamento do estúdio na distribuição do filme percebe-se, pois parece claramente dirigido ao público doméstico e aos fãs da série. Os valores de produção são bastante modestos, o que é bem visivel nos exteriores e nas cenas mais violentas. A acção passa da Europa de Leste para Las Vegas, onde um grupo de rapazes participa numa festa de despedida de solteiro. A escolha da cidade do pecado para localizar este Hostel poderia ter sido utilizada para criar novos significados mas tal resulta apenas no esvaziar do conteúdo politico. Se alguns twists dramáticos são divertidos, também se revelam de alcance limitado para quem não tenha visto os anteriores filmes, pois tentam jogar com os conhecimentos que o espectador tem da série.  Aguenta-se relativamente bem durante a primeira parte, onde parece que foram concentrados todos os recursos e energia. Na segunda metade é o disparate total, nomeadamente no que se refere às (in)capacidades de representação do elenco. Hostel: Part III mostra bem que, mesmo para ser scream queen (ou king), é preciso ter fibra.  Quem tiver interesse e estomago, não deve perder aqui o seu tempo, mas antes procurar os dois tomos do soberbo grand guignol de Eli Roth, frescos como no primeiro dia. //

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