Senhora Aparecida (Catarina Alves Costa, 1994)
A nova edição do
Panorama - Mostra do Documentário Português, entre 9 e 15 de Maio, chega envolta na tormenta dos cortes orçamentais que persegue instituições, festivais e eventos dedicados à divulgação do cinema e que é transversal a toda a actividade cultural. O financiamento decaiu para um nível que permite questionar a sustentabilidade, apesar da entrega e dedicação da equipa que produz aquela que é a única mostra não competitiva dedicada ao documentário feito em Portugal. Continuam as conferências e as conversas à volta da exibição dos filmes, mas o habitual catálogo, conjunto de ensaios e entrevistas relevantes para o enquadramento do documentário na história do cinema português, não teve edição em papel e é disponibilizado apenas em formato digital (
aqui). Neste ano, a secção “Percursos no Documentário Português”, imagem identitária da mostra e importante para o estudo do documentário produzido em Portugal, é construída em torno de uma retrospectiva quase integral do trabalho de
Catarina Alves Costa, coincidindo com os vinte anos do seu filme
Senhora Aparecida (1994), que, em meados dos 90, parecia anunciar a chegada de uma nova vaga de realizadores (Pedro Sena Nunes, Graça Castanheira, Luciana Fina ou Catarina Mourão, para além de Catarina Alves Costa) que tomavam o documentário como ferramenta de trabalho, antes de o género obter reconhecimento e poder favorecer do apoio financeiro público. Ainda que Manoel de Oliveira, Paulo Rocha, Alberto Seixas Santos, António Reis e Margarida Cordeiro, ou mesmo João César Monteiro, tenham utilizado o dispositivo documental em paralelo à sua pratica no domínio da ficção (como pôde ser comprovado na secção "Documentário no Cinema Novo" do Panorama 2013), os novos realizadores abraçam uma pratica continuada num tipo de documentário que apontava para um afastamento claro da reportagem televisiva. É nessa época que acontecem encontros regulares, de carácter informal, entre este grupo de cineastas e que nasce a Apordoc - Associação pelo Documentário, estrutura responsável pela organização do Panorama e do seu irmão mais velho, o Doclisboa. Se
Senhora Aparecida propunha outros modelos e intervenientes, também a sua base temática são os últimos sinais da resistência de um Portugal rural, que exibe conflitos entre tradições seculares no seio do plano religioso, prestes a ser arrasado pelas auto-estradas dos fundos europeus e a continuação do movimento de migração para os centros urbanos. A exibição do filme no Panorama coincide com o seu lançamento em DVD pela Midas Filmes, reunido com mais dois filmes de Catarina Alves Costa:
Swagatan (1998) e
Regresso à Terra (1992). O workshop "O Cinema Etnográfico por Catarina Alves Costa - Práticas de Realização no Filme Etnográfico", completa a homenagem à realizadora, partindo dos seus filmes para pensar o filme etnográfico em Portugal e as suas particularidades de produção. Outras secções em destaque são "Sessões Lisboa", através da exibição de filmes contemporâneos e históricos sobre Lisboa que permitam reflectir sobre a relação entre o cinema e o espaço urbano, e "Olhares Estrangeiros sobre Portugal – O Filme Etnográfico Alemão", reunindo um conjunto de obras de autores alemães que filmaram em Portugal, pouco vistas ou desconhecidas do grande público: Alfred Ehrhardt, Hubert Fichte e os filmes do Instituto do Filme Científico de Göttingen.
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