The Innkeepers (Hóspedes Indesejados, Ti West, 2011)
Não sejamos comedidos nas palavras:
Ti West é um dos realizadores de cinema de terror mais importantes da actualidade. Após a sua passagem pelo MOTELx, com
The House of the Devil (2009) e como parte da antologia
V/H/S (Adam Wingard, David Bruckner, Ti West, Glenn McQuaid, Joe Swanberg, Radio Silence, 2012), chega esta semana às salas portuguesas
The Innkeepers (
Hóspedes Indesejados, 2011), muito depois de ter estreado no South by Southwest Film Festival 2011 e sido lançado em DVD e Blu-ray. A estreia acontece em Portugal com dois anos de atraso, num momento em que muito do público-alvo já o visionou, a partir de formatos alternativos à distribuição em sala, e em que toda a atenção está concentrada no lançamento do seu novo filme,
The Sacrament (2013), na secção Midnight Madness do próximo Toronto International Film Festival (TIFF), em Setembro. Assim, vale a pena recordar o que escrevemos sobre
The Innkeepers e a distribuição de cinema em Portugal, para o balanço do ano de 2012.
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Analisando a lista que criámos com os filmes marcantes do ano que findou, dá que pensar o facto de grande parte deles não terem sido (ainda) distribuídos em Portugal. A Cinemateca Portuguesa, os festivais, o formato DVD ou a divulgação online apresentaram-se como os recursos preferenciais para quem quer ver bom cinema em Portugal, sem estar cingido às escolhas dos distribuidores. Não nos venham então com a lamuria do costume relativa ao decréscimo do número de entradas no cinema pois foram as estratégias distorcidas de distribuição que contribuíram decisivamente para o afastamento do público das salas e permitiram que se instalassem de forma definitiva hábitos alternativos de consumo. Não falamos apenas de obscuros cineastas independentes mas também de Francis Ford Coppola que depois de ter ganho óscares e de ter levado um estúdio à falência, trabalha agora dentro de um modo de produção que, comparativamente, poderíamos caracterizar como familiar. É a ele que hoje o sistema recusa distribuir os filmes, depois de, na década de 1970 como parte dos movie brats, ter alimentado o motor que implantou o conceito moderno de blockbuster. E o que dizer do caso de Aleksandr Sokurov, de quem o celebrado
Faust já teve estreia, há mais de um ano, no Festival de Veneza 2011? Até poderíamos estar a ser injustos e todos estes filmes já terem estreias planeadas para as próximas semanas ou meses. Mas sendo assim, como os enquadrar numa estratégia eficaz de distribuição, sabendo que parte do seu público potencial já os visionou?
Outro dos grandes desconhecidos do público português é o jovem realizador norte-americano Ti West. Tem uma obra surpreendentemente coesa dentro de um dispositivo que, por facilidade de linguagem, se resolveu apelidar de
slowburning. West demonstra ter uma consciência elevada dos mecanismos do medo, aliando ritmo lento a um delicado trabalho em torno das personagens, algo que parece estranho ao género de terror, mais habituado aos gritos e ao gore. A ironia é que o resultado apresenta-se, crescentemente, tenso e perturbador, longe da anestesia que o "ruído" da maior parte do cinema de terror contemporâneo provoca no espectador. Depois de revisitar a década de 1980 com
The House of the Devil (2009), em
The Innkeepers, Ti West ressuscita uma das estrelas da época, Kelly McGillis, e junta-a à deliciosa Sara Paxton numa viagem pelos últimos dias de um hotel que parece assombrado. Durante grande parte do filme diríamos estar face a uma comédia subtil, o que levou vários críticos irritados a referir que não se passava nada. Ainda bem. Apesar de o termos visto logo em Janeiro,
The Innkeepers manteve-se inabalável no topo da nossa lista de preferências até aos últimos dias de 2012, altura em que estreou... (
link)
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De
Twixt (Francis Ford Coppola, 2011) não há novidades.
Faust (2011) teve um lançamento discreto há uns meses e
The Innkeepers chega agora desamparado, sem que a distribuidora dê sinal de vontade (ou saber) de rentabilizar o excelente produto que tem em mãos.
The House of the Devil (Ti West, 2009)
Ti West faz parte de um grupo de cineastas que devem muita da sua cultura cinematográfica à frequência ávida do clube de vídeo, embora os seus filmes não caiam nas armadilhas da citação e procurem desmontar esse sistema referencial. A primeira longa metragem,
The Roost (2005), ainda denotando alguma reverência, coloca quatro jovens numa fazenda tradicional americana a lutar contra morcegos assassinos que transformam os humanos em zombies. Num formato inspirado na banda desenhada da série
Tales from the Crypt (1950–1955) da EC Comics, o ritmo é frenético e em divertidos inserts, a preto e branco, um anfitrião movimenta-se num cenário que parece desenhado por Ed Wood, introduzindo a aventura dos jovens na fazenda e manipulando o seu desenvolvimento. O bom equilíbrio entre os dois segmentos deve muito à qualidade da edição, também da responsabilidade de West, e à utilização de filme super 16 mm, que realça o grão e o ar artesanal. Em
Trigger Man (2007), Ti West aproxima-se dos códigos do cinema independente americano, desligando-se da forma narrativa mais clássica. Com câmara à mão, acompanha três amigos, durante uma caçada na floresta, que acabam na mira da espingarda de um desconhecido. O formato
slowburning começa a ser moldado aqui. Até ao minuto 37, ou seja metade do filme, para além de alguns detalhes da banda sonora, nada indica que se trata de um filme de terror. Estamos, apenas, em zona de reconhecimento de personagens e conflitos e do espaço físico em que se movem.
Trigger Man termina como uma metáfora violenta da comunhão impossível entre a serenidade aparente da cidade e a natureza selvagem, que lembra
Deliverance (1972) de John Boorman. No entanto, em
Trigger Man as questões de ordem moral encontram-se diluídas na abstracção, ao não identificar de forma clara o rosto do inimigo e a forma como é exercido o poder. Em 2007, um grande estúdio entregou a Ti West o projecto
Cabin Fever 2: Spring Fever (2009), sequela do primeiro filme de Eli Roth. Os executivos não gostaram da versão que lhes foi apresentada e pediram a West para a reeditar. O realizador recusou e, depois de trocas azedas de palavras na comunicação social e de o estúdio ter concretizado as alterações, pediu para que o seu nome não constasse nos créditos.
Perante isto, a alternativa foi regressar a pequenos projectos pessoais, com a ajuda do estúdio Glass Eye Pix de Larry Fessenden, onde pudesse controlar todo o processo criativo. As longas metragens
The House of the Devil e
The Innkeepers e a participação nas antologias de terror
V/H/S e
The ABCs of Death (2012) - esta última, a ver em Setembro no MOTELx -
aparecem a partir deste contexto.
The House of the Devil inspira-se em casos reais de cultos satânicos, popularizados durante a década de 1980, nos Estados Unidos. Talk shows e julgamentos, testemunhavam histórias de conspirações de larga escala que raptavam crianças e jovens para serem usados em rituais satânicos carregados de erotismo. Em
The House of the Devil não há apenas a convocação de mitos, costumes ou objectos dos anos 80, mas também a sua recriação através do uso de tecnologia e técnicas que possam ajudar a identificar esse período: o filme de 16 mm, a veracidade atribuída à história, o freeze e o amarelo nos créditos, o zoom ou a produção de objectos promocionais em formato VHS. Ou seja, em termos visuais e sonoros,
The House of the Devil é a cópia ideal, o melhor filme de terror da década de 1980, produzido depois de 1989. Trata-se, claramente, de uma perspectiva simplificadora, pois o deslocamento temporal funciona como força dramática, como se verifica no caso do walkman. No que diz respeito à narrativa, evolui lentamente, para além do limite do suportável num filme de género, e transforma-se nos últimos minutos, num verdadeiro festival de sangue e adrenalina, em que o espectador pode, finalmente, descarregar o excesso de tensão acumulada. Apesar de não ter tido a mesma receptividade crítica e popularidade de
The House of the Devil,
The Innkeepers confirma Ti West como caso sério de um autor que aposta na reavaliação do cinema de género, posicionando-se numa zona de fronteira, em que não convence por inteiro, nem os fãs do terror, nem o restante público. Algo que poderá ser testado com a estreia de
The Sacrament, produzido por Eli Roth, um found footage em torno de uma equipa de filmagens que é apanhada no meio do suicídio colectivo de uma seita religiosa.
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