O Artesão Borowczyk, curtas de animação de Walerian Borowczyk
On June 21st 1887, on the railway line from Paris to Saint-Germain-en-Laye, at the level crossing located at kilometre 12, a cart was struck and overturned by train number 17. The horse was killed and three people were taken to the Chatou hospital. The Vesinet police arrived at the scene of the accident to help the passengers transfer their baggage onto another train. No one appeared to claim a leather trunk covered with numerous labels bearing the names of the most fashionable international hotels and boarding houses. In the owners’s absence, the police were obliged to write a report on the contents of the suitcase. The document is preserved at the archives of the Transport Mininistry.
A letter found at the bottom of the trunk and addressed to Madame Jeanne-Loiuse-Henriette d’A. led one to believe that the bag belonged to this same person. When questioned, Madame d’A. declared most emphatically that the trunk did not belong to her, that surely the letter, fallen from her left pocket, then blown by the blast of air produced at the moment of collision, had by chance slipped inside the trunk in question.
It is easy to understand why Madame Jeanne-Lois-Henriette did not wish to identify herself as the owner of the accursed trunk: among its contents was an object of feminine auto-eroticism.
It is not known how or when the trunk disappeared from the storage locker of the Vesinet police station; today I am the one in possession of this picturesque luggage with all its precious contents.
The object that caused Mme. D’A so much trouble is a representation of a male member of ample wood root. The larger end of the device features a sepia toned photograph now faded, in which one can discern the features of a handsome, bearded man. A small mirror incorporated into the case of the apparatus is designed to prevent one losing sight of one’s lover for the entire period of the sex act. An instrument of not altogether solitary pleasure, elegant and surprising.
To date – a century after the train accident – none of the heirs of Madame Jeanne-Loise-Henriette d’A. has come forward to claim the inheritance.
Actually, there was one. But he was an impostor, unable to prove his kinship to the man with the beard, whom he claimed was his grandfather.
Walerian Borowczyk, The inheritance, 1992
O programa O Artesão Borowczyk faz parte de uma proposta do colectivo White Noise que visa divulgar cineastas de culto internacional, que no circuito nacional de exibição não obtiveram a visibilidade merecida. No caso de Walerian Borowczyk, trata-se de uma obra que durante muitos anos foi relegada para pequenos nichos de público, passando actualmente por um período de revalorização a nível internacional. Esta proposta tem como ponto de partida um conjunto de trabalhos de curta duração, em animação ou no caso de live action com fortes influências do trabalho desenvolvido em animação.
Walerian Borowczyk foi um pintor, escultor e cineasta polaco. Radicado em Paris, onde sedimentou uma carreira auspiciosa na animação, apadrinhado por Chris Marker, passou para a longa-metragem live action, no contexto das transgressões eróticas dos anos de 1960 e 1970, chegando a capa da revista “Cahiers du Cinema”, mais tarde enveredando por ambientes porno-chique que quase destruíram a sua reputação. O pontapé de saída para a operação internacional de reabilitação foi a bem sucedida campanha de crowdfunding lançada pela Arrow Video - dinâmica companhia inglesa responsável por óptimas edições em DVD e Blu-ray de clássicos de Mario Bava, Lucio Fulci, Dario Argento, Brian De Palma e Tobe Hoper, entre muitos outros - para restaurar Goto, l'île d'amour (1969), uma das suas primeiras longas-metragens e a que originou a capa da revista francesa. Numa caixa de colecionador, Camera Obscura: The Walerian Borowczyk Collection (2014), a Arrow juntou a esta obra algumas das suas animações mais notáveis, as longas Théâtre de Monsieur & Madame Kabal (1967), Blanche (1972), Contes immoraux (1974) e La bête (1975), um livro editado por Daniel Bird e Michael Brooke com novos ensaios, artigos históricos de Raymond Durgnat, Philip Strick, Patrice Leconte, David Thompson e Chris Newby, e um grupo de contos do artista originalmente incluídos na publicação L'anatomie du diable (P. Belfond, 1992), entre muitos outros extras preciosos. Apesar de se tratar de uma edição limitada e numerada, seguiu-se a edição autónoma de algumas dessas longas-metragens. Em paralelo, entre Maio e Junho de 2014, o Institute of Contemporary Arts (Londres) apresentou a exposição Walerian Borowczyk: The Listening Eye, reunindo trabalhos seus pouco conhecidos como os estudos preliminares de animações e esculturas sonoras em madeira, que remetem imediatamente para os cenários artesanais dos seus primeiros filmes, também por ele desenhados. A operação da Arrow arrastou-se para 2015, lançando em conjunto com a sua nova congénere americana, um dos seus melhores filmes, Docteur Jekyll et les femmes, realizado já na década de 80, ainda antes de se dedicar a um novo título da série erótica Emmanuelle e acentuar o período de desgraça. A cópia restaurada de Docteur Jekyll et les femmes teve estreia no prestigiado Festival Internacional de Cinema de Roterdão, na secção Critic’s Choice, selecionado por Adrian Martin e Cristina Álvarez López, autores do vídeo-ensaio sobre o filme que fora incluído na edição da Arrow.
Versão revista do texto distribuído no âmbito do evento 3 na Cossoul que decorreu na Sociedade Guilherme Cossoul com produção dos colectivos À pala de Walsh, Germinal Art e White Noise.
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