Forest of Evil


Voices Of Dust, Demdike Stare (Modern Love, 2010)




































Conhecida por Old Demdike, Elizabeth Southerns era uma matriarca viúva que em 1612 foi acusada de bruxaria, acabando por morrer na prisão antes de cumprir a sentença. Do processo faziam parte mais nove mulheres e dois homens que habitavam na zona de Pendle Forest, tendo dez deles sido executados através de enforcamento. A condenação à morte era comum nesta época mas aquela aplicada aos praticantes de bruxaria era baseada em algumas passagens da Bíblia que referem o apedrejamento como a pena apropriada. Apesar desta indicação, a forca (Reino Unido) e a fogueira (resto da Europa e América do Norte) foram maioritariamente utilizadas. O processo aplicado àqueles que eram acusados de feitiçaria era bem diferente do sentenciado a outros também acusados de heresia. Enquanto a uns era permitido viver depois de extraída a confissão e aceite o arrependimento, no que toca às bruxas e simpatizantes, a haver redenção, aconteceria apenas através da morte. Tendo em conta que a magia dava ao seu praticante uma inevitável projecção social, determinando um estatuto de respeito (medo) e independência económica, e que grande parte dos condenados por esta prática eram mulheres, podemos admitir que grande parte destas acções inquisitórias pretendiam também intimar a mulher, removendo-a do espaço público e remetendo-a para o privado - o quarto e a cozinha entendidos como os seus espaços previligiados de expressão.


Tryptych, Demdike Stare (Modern Love, 2011)






















Isto acontecia num quadro social em que os poucos médicos existentes praticavam preços que tornavam os seus serviços inacessíveis para a maioria da população, sendo as bruxas chamadas para curar as pessoas e o gado, predizer o futuro ou descobrir os locais onde se encontravam as mercadorias roubadas. Isto não quer dizer que a crença na pratica da magia se resumisse aos estratos sociais mais baixos da população. A nível legal, a bruxaria era condenada mas o seu uso era aceite socialmente, desde que não provocasse danos físicos ou materiais. Não será difícil perceber a manipulação que teria lugar e, dada a imprevisibilidade das ervas e dos feitiços, qual seria o destino concedido a muitos dos seus praticantes. Demdike foi notificada no âmbito de um processo bastante mediático em que o secretário judicial, Thomas Potts, fez a publicação oficial dos detalhes dos procedimentos em The Wonderfull Discoverie of Witches in the Countie of Lancaster. A julgar pelo relato, Demdike confessara livremente que convivia com um espírito de nome Tibb, o qual teria bebido o seu sangue deixando-lhe uma marca no corpo, e que seria uma curandeira e praticante de magia. A mulher era acusada de ser a líder do grupo das bruxas de Pendle Forest e de ter iniciado os outros na arte da feitiçaria. Pendle Forest fica situada no condado de Lancashire, no norte da Inglaterra, uma zona que na época era considerada selvagem pelas autoridades e onde o roubo, a violência e a permissividade sexual faziam parte do quadro.


Symbiosis, Demdike Stare (Modern Love, 2009)






















As histórias de bruxaria e do oculto foram muito bem exploradas pela produção cultural inglesa. No cinema existem inúmeros exemplos, desde Witchfinder General (Michael Reeves, 1968) até The Wicker Man (Robin Hardy, 1973). Apesar de não ser um remake, a narrativa do filme de Hardy teve uma actualização em Black Death (Christopher Smith, 2010), um filme que também importa ver. Na produção musical recente, gostaríamos de destacar os Demdike Stare, uma banda composta por Sean Canty e Miles Whittaker, cujo nome presta homenagem a Elizabeth Southerns. O duo edita pela Modern Love, uma importante editora sediada em Manchester, responsável por alguma da música electrónica mais estimulante que nos foi dada a ouvir na ultima década. Andy Stott, Claro Intelecto e Deepchord Presents Echospace são aguns dos nomes que criaram a fama da editora. A música dos Demdike Stare parte dos destroços herdados da Basic Chanel e mistura-os com fragmentos que poderiam perfeitamente figurar num filme de terror. Daí resulta algo que resiste a ser limitado por categorias mas que poderíamos, para efeitos de simplificação, colocá-lo entre o witch house, o dub, o ambiental ou o techno. De notar também a sua conjugação com elementos derivados da folk ou da musica tribal, o que por vezes nos remete para contextos que normalmente associamos ao conceito de quarto mundo de Jon Hassel, onde música tradicional exótica é misturada com electrónica. O grupo possui uma produção considerável tendo em conta os apenas quatro anos de actividade. O lançamento inaugural foi Symbiosis (2009), seguido de Forest of Evil (2010), Liberation Through Hearing (2010), Voices of Dust (2010) e Elemental (2012, acabado de lançar). Entre estas edições e vários EPs, no ano passado foi editado Tryptych que, agrupando os três albuns de 2010 e acrescentando muito material inédito,  marca o apogeu criativo do grupo e permite num só título dar-nos uma visão abrangente da complexidade da sua produção.  Entretanto lançaram alguns vídeos em que, a partir de uma edição cuidada de imagens retiradas de obscuros filmes de terror, acentuam o lado ritualistico da sua música. Um dos exemplos mais viciantes é aquele que mistura os temas Extwistle Hall (de Symbiosis) e Forest Of Evil (Dusk) (de Forest of Evil). As imagens foram retiradas do filme clássico checo Valerie and Her Week of Wonders (Valerie a týden divů) de 1970 e assinado por Jaromil Jireš, uma mistura surrealista de fantasia e terror. No vídeo, as imagens (e a música dos Demdike Stare) são tão poderosas que criam uma curiosidade imediata pela descoberta do filme de Jireš.


Extwistle Hall vs Forest Of Evil (Dusk), Demdike Stare, 2010



A relação entre a música inglesa de produção recente com o oculto não é exclusiva dos Demdike Stare e insere-se numa longa tradição onde também pontua a fabulosa banda sonora que em 1973 Paul Giovanni escreveu para The Wicker Man. Entre os exemplos mais recentes, podemos ainda encontrar os Broadcast e vários projectos ligados à editora Ghost Box (atenção ao novo álbum dos Belbury Poly). Em 2003, os Broadcast editaram o album Haha Sound (Warp), inspirado no filme de Jaromil Jireš, que inclui o tema Valerie, numa homenagem directa ao filme. O álbum Broadcast and The Focus Group Investigate Witch Cults of the Radio Age (Warp, 2009), resultante da reunião dos Broadcast  com The Focus Group (banda da Ghost Box), entrou directamente para esta linhagem dourada e tornou-se num dos últimos exemplos em que a relação entre o oculto e a electrónica adquiriu contornos tão sofisticados. Certamente que, daqui a muitos anos, Broadcast and The Focus Group Investigate Witch Cults of the Radio Age irá ser ouvido com a mesma admiração reverente com que hoje olhamos para a música que Paul Giovani criou para The Wicker Man. A voz lunar de Trish Keenan, combinada com electrónica e elementos de library music, encaixa perfeitamente em cenários que poderíamos associar às bruxas de Pendle Forest e o seu prematuro desaparecimento  não deixará de mitificar o trabalho que desenvolveu com os Broadcast.  //

Witch Cults, Broadcast and The Focus Group, 2009

Cowboys e Zombies


The Walking Dead (Frank Darabont, 2010– )
















Quando, no Verão de 2011, surgiram notícias que especulavam o afastamento do produtor Frank Darabont da série The Walking Dead, os seus fãs soltaram gritos de alarme. O sucesso da primeira temporada, com apenas seis episódios, tinha sabido a pouco e restrições financeiras impostas pela cadeia de televisão AMC eram apontadas como motivo para o afastamento de Darabont, também autor do admirável The Mist (2007). A AMC pretendia fazer mais com menos, ou seja menos gore e mais espaço para as personagens. No domingo passado, com a chegada do ultimo episódio da segunda temporada, podemos concluir que a aposta foi inteiramente ganha.


The Walking Dead (Frank Darabont, 2010– )

























O sucesso da primeira temporada de The Walking Dead surgiu numa altura em que a popular  série True  Blood, da cadeia concorrente HBO, acusava já algum cansaço e recorria a soluções narrativas a roçar o mirabolante. A chegada do xerife Rick Grimes e a sua entrada na apocalíptica Atlanta em cima de um cavalo, apresentava-se como um dos momentos televisivos mais emblemáticos dos últimos anos. Rick assumia a postura de um herói clássico e à cidade de Atlanta, enquanto espaço, era atribuído um papel semelhante àquele que Death Valley desempenhava num western.


 The Walking Dead (Frank Darabont, 2010– )


























O primeiro episódio da segunda temporada alcançou um número recorde de público, tendo em conta que se tratava de uma cadeia por cabo, mas o slowburning (ver próximos posts a propósito de Ti West) imposto a grande parte dos episódios acabou por criar algum desespero no espectador, mais habituado aos mecanismos clássicos do filme de terror. No entanto, isso foi largamente compensado por alguns momentos de tensão que pareciam desafiar mesmo os mais críticos. Sinal disso foi um dos principais fios narrativos do começo desta temporada: o desaparecimento de uma das personagens. A busca que se seguiu prolongou-se por um aparentemente excessivo número de episódios levando o espectador a questionar-se se o tema não estaria já esgotado.  No entanto, no sétimo episódio somos confrontados com um surpreendente desfecho que não só reconcilia o espectador com a série mas também assinala um dos seus grandes momentos. A mesma estratégia narrativa foi seguida desde esse ponto até ao final da temporada. Um conjunto de episódios com um ritmo bastante lento, abrindo espaço para o desenvolvimento das personagens, que culminava com os dois últimos episódios da temporada que se revelaram impróprios para cardíacos. Com o desaparecimento de alguns dos personagens mais emblemáticos, a dado momento questionavamo-nos se não se tratava do fim da série e até que ponto haveria nova temporada. No final, apenas por alguns momentos pudémos descansar. When there's no more room in hell, then the dead will walk the earth. Romero dixit. //