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Antes de saudarmos oficialmente o novo ano, encerramos aquele que terminou com algumas notas sobre o que marcou e ajuda a definir esse conjunto oficial de dias, ainda que as palavras se possam referir a produção que poderá ir um pouco além desse limite temporal. Um dos nomes que seguimos insistentemente foi Walerian Borowczyk, pintor, escultor e cineasta polaco radicado em Paris, onde sedimentou uma carreira auspiciosa na animação, apadrinhado por Chris Marker, passou para a longa metragem em modo live action no meio das transgressões eróticas dos anos 60 e 70, chegando a capa da revista Cahiers du Cinema, e terminou a carreira em ambientes pornô-chique que quase destruíram a reputação que lhe restava. O pontapé de saída para a operação de reabilitação em curso foi a bem sucedida campanha de crowdfunding lançada pela Arrow Video - dinâmica companhia inglesa responsável por óptimas edições de clássicos de Mario Bava, Dario Argento, Brian De Palma e Tobe Hoper, entre outros - para restaurar uma das suas primeiras longas-metragens, Goto, l'île d'amour (1969), a tal que originou a capa da revista francesa. Numa caixa sumptuosa, Camera Obscura: The Walerian Borowczyk Collection, a Arrow juntou a esta obra algumas das suas animações mais notáveis, as longas Théâtre de Monsieur & Madame Kabal (1967), Blanche (1972), Contes immoraux (1974) e La bête (1975), um livro editado por Daniel Bird e Michael Brooke com novos ensaios, artigos históricos de Raymond Durgnat, Philip Strick, Patrice Leconte, David Thompson e Chris Newby, e uma colecção de contos do artista, entre muitos outros extras preciosos. Apesar de se tratar de uma edição limitada e numerada, seguiu-se a edição autônoma de algumas dessas longas metragens. Em paralelo, entre Maio e Junho, o ICA apresentou em Londres a exposição Walerian Borowczyk: The Listening Eye, reunindo trabalhos pouco conhecidos como os estudos preliminares de animações e esculturas sonoras em madeiras que remetem imediatamente para os cenários artesanais dos seus primeiros filmes, também por ele desenhados. A operação da Arrow arrasta-se para 2015, que em conjunto com a sua novíssima congénere americana lançará Docteur Jekyll et les femmes, um dos seus melhores filmes, realizado já na década de 80, ainda antes de se dedicar a um novo titulo da série erótica Emmanuelle e acentuar o período de desgraça.

Por Portugal, na Cinemateca Portuguesa aconteceram dois óptimos ciclos dedicados ao cinema de terror clássico e contemporâneo. Falamos de Kiyoshi Kurosawa - O Padrinho do Terror, com cinco filmes rodados entre Cure (1997) e Kairo (2001), para nos fazer esquecer o fracasso recente de Sebunsu kôdo (Seventh Code, 2013), de um dos realizadores asiáticos mais importantes da actualidade, com uma carreira que passa pelo cinema e pela televisão; e do ciclo Mario Bava, figura tutelar do cinema de género italiano, com uma vasta obra repartida por trabalhos de realização, director de fotografia, operador de câmara e desenho de luz e efeitos especiais, em que os corpos, os objectos e os espaços são marcados de forma definida, recortados por jogos contrastados de luz e saturados de cor. O site À Pala de Walsh dedicou o dossier Os Filhos de Bénard ao "pai" de muitos cinéfilos portugueses e ex-director da Cinemateca Portuguesa, João Bénard da Costa. Um dos pontos altos da iniciativa foi a tradução para onze línguas de um dos seus textos mais conhecidos, dedicado ao "filme de muitas vidas",  Johnny Guitar (Nicholas Ray, 1954). Vindo de fora, ainda que com contribuições importantes de portugueses, destacamos: Joseph Losey na publicação La Furia Umana (ainda de 2013); Jean-Claude Brisseau na Foco - Revista de Cinema; Kinuyo Tanaka e Kenji Mizoguchi na revista LUMIÈRE; The Essential Raymond Durgnat organizado por Henry K. Miller; Mise en Scène and Film Style: From Classical Hollywood to New Media Art, mesmo que a preço proibitivo, do crítico australiano Adrian Martin; Midi-Minuit Fantastique : Volume 1, encadernação luxuosa dos primeiros números da célebre revista francesa dedicada ao fantástico; uma nova edição da revista online Lola; e a reedição de clássicos de cinemas das margens, Nightmare USA: The Untold Story of the Exploitation Independents de Stephen Thrower e The Haunted World of Mario Bava de Troy Howarth. Actualmente, o ensaio audiovisual é um meio de divulgação e reflexão pertinente, tendo na dupla Adrian Martin e Cristina Álvarez López um dos seus maiores cultores. Deles retemos o belíssimo exemplar que dedicaram a Brian De Palma, [De Palma's] VISION, a partir dos cenários de fantasia e da ideia de visão presentes na obra do realizador.




















Under the Skin (Jonathan Glazer, 2013)



Scarlett Johansson é despida da sua pose de estrela e posta à solta, a percorrer numa van ambientes urbanos da Escócia, enquanto flerta com os transeuntes. Há actores e pessoas comuns que são "apanhadas" enquanto caminham para o emprego ou para o centro comercial mais próximo, pelo que é ténue a separação entre o real e o encenado, entre os dispositivos do documentário e da ficção.
Pode passar por sacrilégio, mas neste aspecto, podemos ver Under the Skin (Jonathan Glazer, 2013) a aproximar-se de um certo "realismo" de Stromboli (Roberto Rossellini, 1950), nomeadamente no reflexo do confronto da estrela Ingrid Bergman, longe da segurança de Hollywood e das passadeiras vermelhas, com o vulcão e as condições exigentes em que vive a comunidade "primitiva" da ilha. O argumento de Walter Campbell e Jonathan Glazer pega no romance de Michel Faber com o mesmo nome e limpa-o de grande parte dos detalhes, incluindo o motivo do interesse da caçadora nas presas, criando uma narrativa fragmentada com pontas soltas entregues à capacidade ou interesse na decifração por parte do espectador. A propósito de Under the Skin, nas entrevistas, Jonathan Glazer gosta de citar Stanley Kubrick e relegar Nicolas Roeg para segundo plano. E é Kubrick que vemos, na geometria dos primeiros planos. Ainda o pressentimos, de tempos a tempos, na gestão precisa da música e do silêncio e no notável regresso a essa estilizada sala negra em que Scarlett Johansson caminha pela superfície de um liquido pastoso enquanto as suas vitimas nele se afundam. Mas é do David Bowie de Nicolas Roeg, em The Man Who Fell to Earth (1976), que mais nos lembramos: o cabelo laranja do alien andrógino, descendente da figura de Ziggy Stardust, intoxicado pelo álcool e pelo "american way of life", como também Scarlett Johansson de casaco de pêlo felpudo se vai desintegrando no contacto com a humanidade. We’re trapped in our shells. Skin can be beautiful one moment and frightening the next, é o comentário de Nicolas Roeg a propósito de The Man Who Fell to Earth, que quase rima com o filme de Glazer. Mas é o que está para além da pele que desconcerta a personagem de Johansson, incapaz de processar a complexidade do que é humano e rapidamente a caçadora passa a presa, o que vai ditar a sua queda. Certo é que o acentuar da fragilidade da personagem de Johansson a leva a procurar refúgio no espaço desabitado do campo e das florestas, como se qualquer pedaço da natureza terrestre ainda fosse esse espaço original arredado da construção humana. É aí que um homem a tenta violar, descasca-lhe a carcaça protectora e a empurra para uma redenção pelo fogo. Mas é no perturbante plano final que a criatura se revela finalmente ameaçadora: sobe com o fumo ao céu, que inesperadamente a devolve envolta na neve, como a coisa indefinível que irá contaminar o olhar do espectador, o que poderia fazer raccord com um plano de Quatermass 2 (Val Guest, 1957), clássico da ficção científica e do terror britânico, em que um grupo de cientistas observa num écran uma imagem gráfica semelhante a flocos de neve que caem sobre a Terra, que não são mais que pequenos meteoritos que em contacto com os terrestres os transformam em zombies ao serviço de uma comunidade alienígena.
   

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Jonathan Glazer, Under the Skin
Abel Ferrara, Welcome to New York
Vítor Gonçalves, A Vida Invisível
Joaquim Pinto, E Agora? Lembra-me
James Gray, The Immigrant
Hong Sang-soo, Nugu-ui ttal-do anin Haewon (Nobody's Daughter Haewon)
David Cronenberg, Maps to the Stars
Hong Sang-soo, U ri Sunhi (Our Sunhi)
Bruno Dumont, Li'l Quinquin
Hayao Miyazaki, Kaze tachinu (The Wind Rises)
Albert Serra, Història de la meva mort
Rithy Panh, L'image manquante
James DeMonaco, The Purge: Anarchy
Jennifer Kent, The Babadook

+ 14
Actor: Gérard Depardieu, Welcome to New York (Abel Ferrara)
Actriz: Essie Davis, The Babadook (Jennifer Kent)
Realizador: John Carpenter (omnipresente, mesmo sem novos filmes)
Banda sonora: Mica Levi, Under The Skin (Jonathan Glazer)
Ensaio visual: Adrian Martin & Cristina Álvarez López, [De Palma's] VISION
Evento: Mario Bava na Cinemateca Portuguesa (8 ½ Festa do Cinema Italiano)
Televisão: Penny Dreadful (John Logan), 1ª Temporada
DVD: Coffret Jean Epstein, Potemkine Films
Blu-ray: Torso (Sergio Martino), The Ecstasy of Films
Dual Format Blu-ray/DVD: Camera Obscura: The Walerian Borowczyk Collection, Arrow Video
Lost & found: Let's Scare Jessica to Death (John D. Hancock, 1971)
A grande (des)ilusão: The Sacrament (Ti West)
O pior: A Field in England (Ben Wheatley)
O mais aguardado: In a Valley of Violence (Ti West)

+ + 14
Mica Levi, Under The Skin OST (Milan)
Actress, Ghettoville (Werk Discs)
Shinichi Atobe, Butterfly Effect (Demdike Stare)
The Bug, Angels & Devils (Ninja Tune)
Lana Del Rey, Ultraviolence (Interscope)
Lorenzo Senni, Superimpositions (Boomkat Editions)
Ariel Pink, Pom Pom (4AD)
Kassem Mosse, Workshop 19 (Workshop)
Aphex Twin, Syro (Warp)
Andy Stott, Faith In Strangers (Modern Love)
Mr. Mitch, Parallel Memories (Planet Mu)
Popcaan, Where We Come From (Mixpak)
Untold, Black Light Spiral (Hemlock Recordings)
Dean Blunt, Black Metal (Rough Trade)


Como complemento, ver lista do melhor terror de 2014 (aqui).



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