Opening: Cannibal Holocaust


Em Hostel: Part II (Eli Roth, 2007), numa das salas de tortura, um homem com ar respeitável corta um pedaço da perna de um rapaz e dirige-se para um canto, dominado por uma grande pintura e uma mesa iluminada harmoniosamente por um candeeiro, onde refastelado degusta o insólito manjar. A música de fundo é uma ária da ópera Carmen de Georges Bizet. A intérprete, acompanhada pelo coro, canta o seguinte:

L'amour est enfant de Bohême,
il n'a jamais, jamais connu de loi;
si tu ne m'aimes pas, je t'aime
si je t'aime, prends garde à toi! (Prends garde à toi!)
Si tu ne m’aimes pas,
Si tu ne m’aimes pas, je t’aime! (Prends garde à toi!)
Mais, si je t’aime,
Si je t’aime, prends garde à toi!

Sabemos como podem ser ínvios os caminhos do amor. E os do cinema? O senhor que está sentado à mesa é Ruggero Deodato, realizador italiano que em 1980 lançou o filme-choque Cannibal Holocaust. Para proceder às filmagens, levou os actores - estudantes inexperientes do famoso Actors Studio de Nova Iorque; um protagonista da era dourada do porno, cujo maior feito até aí tinha sido participar no clássico Debbie Does Dallas (Robert Kerman aka Richard Bolla); um futuro deputado italiano (Luca Barbareschi); e outros quase desconhecidos - para a fronteira entre a Colômbia e o Brasil e pô-los a contracenar com tribos locais num excessivo festim de sexo e violência, onde nem os animais são poupados. Porque é real toda a violência que é dirigida aos animais, encontrou-se o grande motivo polémico que envolve o filme. Mas não o único. Ambientalistas e grupos de defesa dos direitos dos animais, das mulheres ou dos nativos da Amazónia impossibilitariam que um filme destes fosse produzido e distribuído nos dias de hoje. A crueldade com os animais é tão desmedida e reforça tanto toda a outra violência que as autoridades italianas pensaram tratar-se de um snuff film e obrigaram Deodato a levar actores a tribunal para comprovar que não teriam morrido. Mas tudo não  passava de uma estratégia de marketing, pois os actores teriam assinado contractos que os obrigavam a permanecer longe da comunicação social durante um longo período de tempo. Cannibal Holocaust anda em torno de uma equipa de filmagens que é morta por uma tribo amazónica. Pelo título do filme, talvez pensemos que os elementos da equipa encarnam o papel de vítimas, mas não é isso que acontece, pois utilizam métodos muito questionáveis para obter as imagens. Ainda antes de sermos excomungados, atrever-nos-íamos a dizer que Cannibal Holocaust é um belo filme. Para além da violência gráfica, para a história ficou a forma como abriu caminho para os filmes do tipo found footage - lembram-se de The Blair Witch Project (Daniel Myrick, Eduardo Sánchez, 1999) ? - e a música de Riz Ortolani. Os sintetizadores tensos, imagem do cinema de terror italiano da época, marcam os momentos mais fortes do filme, mas é com doçura e melancolia que abrimos a porta para o "inferno verde". Si tu ne m’aimes pas, je t’aime! (Prends garde à toi!)//


Cannibal Holocaust (Ruggero Deodato, 1980)

What's up, doc?


Hostel (Eli Roth, 2005)


Durante a década de 2000, Eli Roth encabeçou um grupo de cineastas, ao qual foi dado o nome de Splat Pack, que lançou um conjunto de filmes do género splatter, mostrando imagens de uma violência extrema e nudez pouco frequentes para o contexto em que eram produzidos e distribuídos. Se anteriores trabalhos neste campo, principalmente nas décadas de 1970 e de 1980, eram criados em contextos independentes e relegados para sessões tardias ou circuitos de exibição específicos, o grupo dos Splat Pack produzia os filmes dentro de poderosos estúdios e utilizava as grandes cadeias de distribuição para chegar ao maior número de espectadores. Os orçamentos de produção destes últimos também eram, comparativamente, muito superiores. O segundo filme de Eli Roth, Hostel (2005), chegou ao primeiro lugar do box office norte-americano, devolvendo ao estúdio que o produziu consideráveis lucros. O grande sucesso comercial destes filmes pôs os cabelos em pé a muitos críticos de cinema norte-americanos que não se contiveram na linguagem que utilizaram para descrever o fenómeno. Os mais conservadores consideraram que os realizadores eram doentes e que os espectadores que se divertiam com os filmes não passavam de um bando de depravados, sádicos e masoquistas. Uma América inteira a precisar de uma longa sessão no divã do psicanalista, portanto. Torture porn foi o termo que o critico David Edelstein utilizou para descrever este grupo de filmes. O título do artigo de Edelstein era, esclarecidamente, Now Playing at Your Local Multiplex: Torture Porn. Why has America gone nuts for blood, guts, and sadism?. O estúdio Lionsgate, onde foram produzidos muitos destes filmes, ficou, definitivamente, denominado como a casa do torture porn.

Eli Roth, filho de uma artista e de um psiquiatra, passara a infância e a adolescência a devorar filmes de terror. No cinema local era muito conhecido pelos funcionários, não só pela assiduidade e tenra idade - com oito anos viu Alien (Ridley Scott, 1979), acompanhado pelos pais - mas também pela frequência com que vomitava durante as sessões. Consta que, a sua persistência em continuar a ver os filmes, levava a que o fizesse mesmo dentro da sala. Num desses dias, decidiu que haveria de ser realizador de cinema. Acabados os estudos, escreveu, em parceria com um amigo, e realizou o seu primeiro filme, o óptimo Cabin Fever (2002), que se tornou um grande sucesso comercial e o levou para o circulo de protegidos de Quentin Tarantino. Este afirmou publicamente que Roth era o futuro do cinema de terror e produziu os seus dois próximos filmes, Hostel (2005) e Hostel: Part II (2007). Hostel é a obra maior do torture porn e um dos filmes de terror mais importantes da década de 2000. Aos que acusavam o torture porn de primário e vazio de crítica social, Roth respondia com um filme fortemente político que dirigia a uma América fascinada com a violência e que a obrigava a olhar de frente para os seus fantasmas. O filme lança uma crítica feroz ao capitalismo e à globalização, mapeando a circulação da violência e do sexo, num quadro em que todas as necessidades tendem a ser mercantilizadas através do uso de complexas redes transnacionais. A produção do filme coincidiu com o rebentar de dois grandes escândalos relacionados com o uso da tortura por parte das forças armadas e agências militares norte-americanas.  Um deles estava relacionado com a divulgação de imagens captadas na prisão iraquiana de Abu Ghraib, onde soldados norte-americanos eram mostrados a torturar violentamente prisioneiros, muitos deles mantidos ali sem acusação e outros sem qualquer culpa nas alegações que lhes eram feitas. O outro escândalo estava associado à CIA, sendo a agência acusada de ter utilizado várias bases na Europa de Leste para interrogar e torturar prisioneiros acusados de terrorismo. Ali, longe do controle da lei americana, eram utilizados procedimentos muito pouco convencionais e o escândalo propagou-se também a outros países, inclusive Portugal, que teriam autorizado a utilização de bases locais para o transporte dos hipotéticos terroristas. É precisamente nessa nova e misteriosa Europa, renascida do Bloco de Leste, que Roth situa a sua narrativa e onde os americanos, por momentos, largam a posição do carrasco e se sentam na cadeira da vítima. Em determinado ponto  do filme, uma das personagens, no meio de uma rixa num bar, grita: I'm american! I have rights!


Imagem de torturas na prisão de Abu Ghraib, © Associated Press


Em Hostel encontramos dois jovens turistas americanos e um islandês a viajarem pela Europa em busca de sexo e drogas. Enfadados com o que encontram na velha Europa (Holanda), dirigem-se para uma outra, nova e sedutora (Eslováquia), onde as raparigas têm corpos de capa de revista e não pedem licença para se despir. Com o inferno logo ao virar da esquina, são apanhados numa rede dirigida a clientes internacionais que pagam somas avultadas para torturar e matar jovens incautos. Uma enorme instalação industrial desactivada é utilizada como base para as operações e onde as vítimas são preparadas para se adequarem à fantasia do torturador. Este paga de acordo com a nacionalidade do jovem e, evidentemente, os americanos estão no topo da tabela de preços. Numa escolha feliz, um carrasco é representado por, nem mais nem menos que, o realizador japonês Takashi Miike, outro que também foi colocado na prateleira do torture porn. Em Hostel: Part II os rapazes dão lugar a três raparigas, norte-americanas, que também na Europa, fazem um percurso semelhante e vão parar ao mesmo local. À sua chegada é lançado um secreto leilão internacional, tipo eBay, muito disputado, para escolher os contemplados com a execução das torturas. Um dos arcos narrativos acompanha dois clientes ricos que fazem parte da rede e que levantam o pano relativamente às suas vidas e motivações. Há uma sequência que se replica do primeiro para o segundo filme e que resulta numa homenagem e agradecimento a Quentin Tarantino, também dono de um cinema intransigente, que não se quer refém das normas estabelecidas. No momento da entrada dos jovens na recepção do hotel onde ficam hospedados, na televisão passa Pulp Fiction (1994), dobrado na língua local. Tal como Tarantino, Roth conhece bem e cita os clássicos italianos e japoneses ditos menores, ao arrepio das convenções do cinema que se celebra como sério, dos críticos e dos teóricos.

Dias antes de Hostel: Part II ser lançado, uma cópia da versão final foi parar à internet e ao mercado de rua, o que levou a que, no dia em que estreou, já tivessem sido contabilizados cerca de dois milhões de downloads. Assim, os lucros do filme ficaram abaixo do esperado e em alguns países acabou por nem ser lançado. Relativamente a este facto, na Deadline, o editor Nikki Finke referia: Lionsgate deserves to feel the effects of piracy (not to mention the wrath of mankind) for distributing such a disgusting film. I always support a moviemaker’s right to make whatever creative project he wants. But when businesses profit off uber-violence, the marketplace shouldn’t reward them. Às críticas que lhe eram dirigidas, sobre o excesso de sangue nos seus filmes, Eli Roth respondia, em entrevista à mesma Deadline: Hopefully we’ll get to a point where there are absolutely no restrictions on any kind of violence in movies. I’d love to see us get to a point where you can go to theaters and see movies unrated and that people know its not real violence. Hoje, sabemos que esse momento ainda não chegou, mas desde o lançamento de Hostel: Part II, o cinema extremo deu um enorme passo em frente com uma nova vaga de filmes independentes protagonizada por The Human Centipede (First Sequence) (Tom Six, 2009), The Human Centipede II (Full Sequence) (Tom Six, 2011) e A Serbian Film (Srdjan Spasojevic, 2010), mas isso é uma conversa para outro dia.

Com a passagem da década, declinava o sucesso comercial do torture porn produzido pelos grandes estúdios americanos, a favor de um cinema de terror atmosférico ou do tipo found footage - Paranormal Activity 1, 2 e 3 (Oren Peli, 2007; Tod Williams, 2010; Henry Joost, Ariel Schulman, 2011) e The Last Exorcism (Daniel Stamm, 2010, também produzido por Eli Roth). Durante vários anos falou-se de uma terceira parte para Hostel, mas Eli Roth cedo se demarcou do projecto e desejou sorte ao senhor que se seguia. Em Dezembro de 2011, a Lionsgate lançou finalmente nos Estados Unidos a terceira parte da série, Hostel: Part III (Scott Spiegel), que não passou pelas salas e foi parar directamente ao mercado do DVD. A falta de empenhamento do estúdio na distribuição do filme percebe-se, pois parece claramente dirigido ao público doméstico e aos fãs da série. Os valores de produção são bastante modestos, o que é bem visivel nos exteriores e nas cenas mais violentas. A acção passa da Europa de Leste para Las Vegas, onde um grupo de rapazes participa numa festa de despedida de solteiro. A escolha da cidade do pecado para localizar este Hostel poderia ter sido utilizada para criar novos significados mas tal resulta apenas no esvaziar do conteúdo politico. Se alguns twists dramáticos são divertidos, também se revelam de alcance limitado para quem não tenha visto os anteriores filmes, pois tentam jogar com os conhecimentos que o espectador tem da série.  Aguenta-se relativamente bem durante a primeira parte, onde parece que foram concentrados todos os recursos e energia. Na segunda metade é o disparate total, nomeadamente no que se refere às (in)capacidades de representação do elenco. Hostel: Part III mostra bem que, mesmo para ser scream queen (ou king), é preciso ter fibra.  Quem tiver interesse e estomago, não deve perder aqui o seu tempo, mas antes procurar os dois tomos do soberbo grand guignol de Eli Roth, frescos como no primeiro dia. //

Do Androids Dream of Electric Sheep?





Prometheus (Ridley Scott, 2012), anúncio de imprensa ao modelo David 8



Fundada pelo milionário Peter Weyland, a Weyland Industries é uma poderosa companhia global que tem como lema Buildind Better Worlds. A aposta da empresa recai sobre áreas relacionadas com a tecnologia e a ciência e os seus técnicos descobrem, exploram e expandem aquilo que está para além dos nossos limites. Peter Weyland é um indiano natural de Bombaim, cujas extraordinárias capacidades e uma grande ambição permitiram-lhe erguer a empresa, atribuindo-lhe uma posição estratégica na indústria mundial e tornando-a responsável pelo lançamento da primeira missão privada de carácter industrial destinada a estabelecer as bases da exploração de planetas para além da Terra.

Outra das grandes revoluções tecnológicas da Weyland Industries foram os andróides da série David. O nome foi escolhido pelo próprio Peter Weyland, que inicialmente tinha pensado nele para o dar a um filho. O modelo actual deste andróide é o David  8, surgindo como resultado da oitava geração de progresso cibernético. O seu avançado revestimento de poliuretano replica as propriedades biológicas da pele humana para a exacta textura, flexibilidade e resistência, reagindo de imediato aos estímulos exteriores e mostrando sentimentos de irritação, confiança, desgosto, alegria, tristeza ou mesmo certeza. Mas não nos iludamos, tratam-se apenas de reacções cutâneas que não derivam de qualquer contrapartida interior. Servem apenas para melhorar as suas capacidades de interacção e sustentar a confiança dos humanos que com ele se relacionam. As suas especificações técnicas notam que pode gravar, processar, entender e expressar muitas emoções complexas, mas que nunca conhecerá verdadeiros sentimentos humanos, como o sofrimento, o amor e a compaixão. Quando as situações o exigem, ainda pode ser programado para uma função neutral onde desactiva as respostas cutâneas e é apenas guiado por directrizes racionais. Com esta descrição, tudo seria perfeito para o dedicado David, e também para nós, não se desse o caso de viver apenas na imaginação humana e fazer parte de um filme que não o merece, Prometheus (2012) de Ridley Scott.

O filme foi rodado dentro do maior secretismo, com o pessoal técnico e os actores a serem proibidos de revelar publicamente pormenores do guião ou das filmagens. Muito se especulou sobre a sua produção e o que estaria a acontecer em frente às câmaras, mas era apenas certo que se tratava de um filme que se inseria dentro da franquia Alien e que a sua acção decorria antes do primeiro filme da série, que o mesmo realizador assinara em 1979. A expectativa dos fãs crescia e nos primeiros meses deste ano começou uma, sofisticada e muito eficaz, campanha de divulgação do filme. Um dos seus elementos mais surpreendentes foi aquele que rodeou o modelo David 8. No Wall Street Journal, o estúdio produtor colocou um anúncio de página inteira  que pretendia "vender" David. Tal como podemos ler no anúncio, manufactured by Weyland, powered by Verizon. Esta última, uma empresa norte-americana bem real. Ao mesmo tempo surgia um clipe onde o próprio David se apresentava ao mundo. E assim, Prometheus tornou-se um dos filmes mais aguardados do ano.



Prometheus (2012, Ridley Scott), Introducing the David 8



Prometheus é o nome de uma nave espacial que parte da Terra em direcção ao planeta LV-223 em busca das origens da vida humana, numa viagem financiada pela Weyland Industries e com o alto patrocínio de Peter Weyland. A chegada ao planeta proporciona o encontro com criaturas alienígenas (chamadas engenheiros), que se crê serem os responsáveis pela criação dos terráqueos mas que possuem uma ameaça (algo parecido com os aliens nossos conhecidos) que pode pôr em causa a existência da vida na Terra. A linha narrativa mais interessante do filme é aquela que se refere à agenda de David, que é bem diferente da da restante tripulação. Se nos filmes anteriores  da série o andróide acaba por ter um papel determinante na narrativa mas nunca ofusca a presença da tenente Ripley (Sigourney Weaver), em Prometheus ele rouba as cenas a todas as outras personagens. Não só pelo papel que lhe cabe no desenrolar dos acontecimentos, mas também pela superior qualidade da interpretação de Michael Fassbender, que imprime a David uma complexidade ausente em todas as outras personagens.

O actor afirmou que, na preparação do seu papel, não lhe interessou estudar os anteriores andróides da série, mas sim os replicantes de Blade Runner (1982, também de Ridley Scott), David Bowie em The Man Who Fell to Earth (Nicolas Roeg, 1976), Peter O'Toole em Lawrence of Arabia (David Lean, 1962),  Dirk Bogarde em The Servant (Joseph Losey, 1963), a voz de HAL 9000 de 2001: A Space Odyssey (Stanley Kubrick, 1968) e o andar do atleta olímpico Greg Louganis. O fascínio por Lawrence of Arabia estende-se também à personagem que o actor interpreta. Durante a viagem até ao planeta distante, enquanto a tripulação humana repousa no hipersono, David vê o filme, treina as falas de T. E. Lawrence (Peter O'Toole) e copia o corte e a cor do seu cabelo. É o melhor momento de Prometheus, com a nave deserta e David fascinado, a aprender e a matar o tempo. A entrada em cena das outras personagens, revela um David curioso relativamente aos humanos, mas que os considera inferiores e incapazes de lhe mostrarem gratidão pelas suas acções.

Pouco há em Prometheus, que possa ligá-lo aos restantes filmes da série. Continuamos dentro de conflitos entre pais e filhos - neste caso entre os engenheiros e os humanos e entre os humanos e David -, mas os belos e mortíferos aliens passam para segundo plano. Na verdade, quase que não aparecem. Os ambientes negros, o viscoso e o vapor foram substituídos por planos cheios de luz onde vemos tudo, inclusive as pinceladas de efeitos digitais, presentes em quase todos os planos. Nas notas de produção do filme, lemos que Ridley Scott andou a viajar por meio mundo para captar ambientes naturais. Se assim foi, não se cansou de adicionar CGI (computer-generated imagery) a muitos dos planos, parecendo que todos os ambientes de Prometheus, inclusive os exteriores, foram desenhados em laboratório. No entanto, admitimos que algumas das nossas reservas se possam diluir na versão em 3D (não foi essa a versão que vimos). Se, com Alien (1979), Ridley Scott abriu uma das linhagens mais excitantes  da história do cinema - na nossa opinião, não o melhor filme pois esse lugar está reservado para Aliens (1986) de James Cameron -, com Prometheus o realizador arrisca-se a ter feito o pior filme da série. Quando a melhor cena de acção acontece a meio da sessão - numa mesa cirúrgica automatizada -, até ao fim, apenas nos resta seguir David. Afinal, a única razão para ver Prometheus//

Triad God e o Fenómeno das Mixtapes



Lo Por, Triad God, 2012


Do pouco que se conhece do projecto musical Triad God, sabe-se que é composto pelo músico Vinh Ngan, nascido no Vietname, criado em Hong Kong e a residir actualmente no sul de Londres. O projecto assinou recentemente pela Hippos In Tanks, editora norte-americana que conta com registos de Hype Williams, James Ferraro e Laurel Halo. A antecipar um longa duração, que estará apenas disponível em 2013, Triad God lançou a mixtape NXB, que pode ser encontrada em formato de dowload gratuito e se apresenta, desde já, como um dos momentos musicais do ano. Para desespero das grandes editoras e felicidade dos melómanos, os músicos continuam a explorar formas menos convencionais para disponibilizar a sua produção. Um dos formatos que tem revelado verdadeiras pérolas é a mixtape. Quase sempre oferecida gratuitamente, permite aos músicos libertarem-se dos constrangimentos da indústria musical e fugirem ao controlo apertado que recai sobre os direitos de autor dos samples, que muitas vezes utilizam.



House Of Balloons / Glass Table Girls, The Weeknd, 2011


Um dos casos paradigmáticos é o grupo de produtores reunido sob o nome de The Weeknd. Tirando as colaborações com outros músicos, toda a sua restante produção foi disponibilizada exclusivamente em três notáveis mixtapes: House of Balloons, Thursday e Echoes of Silence, todas de 2011. Seguramente, House of Balloons é um dos registos musicais mais estimulantes do ano passado e mesmo algumas publicações e sites mainstream colocaram-no no topo das suas listas de final de ano, bem à frente de outros títulos editados em formatos convencionais. Os samples utilizados são mais ou menos evidentes. No caso da faixa título, a base é o fundo musical do tema Happy House de Siouxsie and the Banshees, com a voz de Siouxsie Sioux a ser substituída pela de Abel Tesfaye, o líder do grupo. The Weeknd é um produto criado e massificado pela internet, em que os músicos envolvidos preferem refugiar-se na sombra e não ceder às tentações da solicitação mediática. O resultado apresentado nas três mixtapes é uma mistura desbragada de amor, sexo e drogas e uma desconstrução do R&B e da soul, apoiada por elementos contemporâneos de dubstep. Num registo menos R&B, mas com resultados igualmente brilhantes, podem ser encontradas na internet duas mixtapes gratuitas do projecto Clams Casino: Instrumental Mixtape (2011) e Instrumental Mixtape 2 (2012).



Happy House, Siouxsie and the Banshees, 1980


A mixtape NXB de Triad God foi lançada em Maio passado e pode ser acedida no link abaixo. Há algo na sua música que nos remete para alguma produção downtempo de meados da década de 1990, nomeadamente para o grupo japonês Silent Poets. No entanto, Triad God recorre também ao ruído e a instrumentos tradicionais orientais, o que resulta num som menos aveludado e mais experimental. O facto de ser falado/cantado maioritariamente em cantonês, se bem que o torna quase imperscrutável, isso não deixa de nos atrair e levar a concentrar, não no significado, mas no som das palavras. Durante cerca de trinta minutos, imaginamo-nos a ver In the Mood for Love  (Wong Kar-wai, 2000), mas sem legendas e com o Tony Leung a soltar as palavras em formato rap. É certo que a língua não ajuda a decifrar qual a mood de Vinh Ngan. Como pistas ficam apenas algumas músicas com o nome em inglês: Bruce Lee's Funeral ou I Never Told You. Ou uma pequena parte de uma letra: I never told you, I wanna hold you. A meio caminho entre a tradição e a modernidade, NXB não se refugia no exótico meloso, revelando novos pormenores a cada audição e baralhando-nos relativamente à sua posição geográfica. Misteriosa e melancólica, é a banda sonora ideal para ouvir num fim de tarde dos meses que se avizinham. Uma brisa serena, e a espaços inquietante, para este Verão.

NXB, Triad God, mixtape