Trash, Trash, Trash





















Aftershock (Nicolás López, 2012), com Eli Roth, Ariel Levy e Andrea Osvárt



Eli Roth é um dos players mais influentes e divertidos da cena de terror. Cabin Fever (2002) foi a sua estreia auspiciosa na realização, a que seguiram, já com a bênção de Quentin Tarantino, os dois primeiros filmes da série Hostel. Mas é na produção que tem residido uma parte considerável da sua actividade. A série televisiva Hemlock Grove (Brian McGreevy, Lee Shipman, 2013- ), disponibilizada em Abril na Netflix, e o filme Aftershock (Nicolás López, 2012), acabado de ser lançado nos Estados Unidos, são bons momentos que permitem aferir a sua vitalidade e perceber até que ponto dispensa a muleta de Quentin Tarantino, fazendo cada vez mais sentido o título "Eli Roth Presents". Em entrevistas que antecederam a estreia de Aftershock, descaiu-se e revelou pormenores do argumento, até então secreto, de outro projecto em que está envolvido: a produção do muito aguardado novo filme de Ti West, The Sacrament, um found footage acerca de uma equipa de filmagens que é apanhada no meio do suicídio colectivo de uma seita religiosa.

Os filmes com a marca de Eli Roth estão repletos de situações características de um cinema que nos anos de 1960 e 1970 alimentava as mecas da grindhouse - as salas de Times Square em Nova Iorque, Broadway e Hollywood Boulevard em Los Angeles ou Market Street em San Francisco - e os drive-ins. Exploitation foi o nome que lhe foi atribuído pela forma como explorava, sem pudor e intensivamente, temas relacionados com o sexo e a violência. Um cinema de baixo orçamento e que fazia parte de um sistema paralelo de canais exclusivos que produziam, promoviam e distribuíam. Blaxploitation, sexploitation, canibalismo, artes marciais, giallo, mondo, western spaghetti, nazismo, prisões de mulheres, slasher ou splatter são alguns dos subgéneros, possuidores de regras próprias e onde eram agrupados os filmes de modo a atingir públicos-alvo específicos. O torture porn que Eli Roth celebrizou em Hostel (2005), apesar do forte subtexto politico que lhe está subjacente, é uma revisitação moderna do cinema da exploitation e provocou idênticas reacções de desprezo por parte da crítica estabelecida dos grandes meios de comunicação. No entanto, no que diz respeito ao contexto de produção e distribuição as diferenças são marcantes, pois Hostel foi feito com o apoio de estúdios poderosos e partilhou as mesmas redes de distribuição do cinema prestigiado de Hollywood. Isso explica, em parte, o grande sucesso de público em que se transformou.

Em produções mais recentes, Roth largou uma certa zona de conforto (ou de desconforto, conforme o ponto de vista) para passar a trabalhar em modelos que procuram, para além de citar narrativamente, também replicar, em versões actualizadas, as circunstâncias de produção da exploitation. The film that could only be made in South America, where life is cheap. Com esta frase provocadora era anunciado, em 1976, Snuff (Michael Findlay, Roberta Findlay, Horacio Fredriksson), um clássico da exploitation que recentemente aqui abordámos. As condições de produção baratas também levaram Eli Roth ao Chile, para produzir Aftershock, do amigo Nicolás López, e dirigir o seu novo filme The Green Inferno (2013). Partindo de relatos verídicos relacionados com o violento tremor de terra que assolou o país em 2010, Eli Roth co-escreveu o argumento de Aftershock com Guillermo Amoedo e Nicolás López. As filmagens foram rápidas, com câmaras fotográficas vulgares, de 2.500 dólares, do modelo Canon EOS 5D Mark II. Muitos dos elementos da equipa de actores e técnicos foram seleccionados no mercado local e usados, posteriormente, na produção de The Green Inferno - um regresso ao mito das florestas infestadas de canibais, de Ruggero Deodato e Umberto Lenzi. Nos efeitos especiais, em vez da computer-generated imagery, foram as técnicas artesanais que determinaram o rumo das operações.

No que diz respeito ao lançamento em sala, Eli Roth aproveita para questionar até que ponto é possível competir, nos dias que correm, com os grandes blockbusters de Hollywood, sem recorrer a grandes investimentos em produção e promoção. A alternativa para um filme com um pequeno orçamento, como Aftershock, é um lançamento limitado para uma centena de salas prioritárias, o que não obriga a um retorno que justifique o investimento em promoção. Os pequenos períodos que os filmes estão nas salas - exceptuando os grandes sucessos, muitas vezes não ultrapassam as três semanas - obrigam a uma maior atenção às novas tecnologias (video on demand), onde a qualquer momento pode ser requerido o visionamento. Uma forma que, embora não substitua a experiência da sala, é a que, cada vez mais, os públicos jovens privilegiam na sua relação com o cinema. Roth considera também que é nas plataformas digitais (redes sociais, sites e blogues) que devem ser centradas as prioridades na promoção deste tipo de filmes.

A história de Aftershock gira em torno de um grupo de amigos que se diverte em festas no Chile, quando sofre os efeitos de um terramoto que lança o pânico na população e solta os reclusos de um estabelecimento prisional. Estamos em zona de filme-catástrofe, em que um desastre natural força as personagens a largar o cómodo quotidiano social (os engates, o telemóvel, o correio electrónico, ...) e a tomar apressadas decisões de ordem moral que envolvem questões de vida e morte. Por exemplo, o que fazer quando um amigo fica preso numa placa de cimento e os abanos de terra se sucedem? Acudir ou fugir? Às vezes, a escolha revela-se contraproducente pois aquele que é salvo, perante uma situação idêntica, acaba por decidir o contrário. Tal como Roth reconhece, Aftershock poderia ter o subtítulo "Fuck my Hostel", propondo uma combinação entre o filme que lhe deu fama e as comédias em que se especializou Nicolás López. Hostel segue dois "dudes" em férias sexuais pela Europa de Leste, quando são capturados por uma rede de executivos internacionais cujo prazer é torturar, até à morte, turistas desprevenidos, especialmente norte-americanos. Em Aftershock, "os dudes" continuam em viagem pelo exótico em busca do orgasmo eterno, mas já são pais e têm barrigas de tamanho proporcional ao limite de crédito do cartão bancário. O tom de comédia da primeira parte, onde é criado o ambiente e o contorno das personagens, não é quebrado quando chega o primeiro tremor de terra e se dá a fuga pela cidade, seguida da perseguição dos presidiários, a quererem pôr fim à abstinência sexual. Nicolás López diverte-se a abater as personagens, uma a uma, sem qualquer sentimentalismo ou contenção no gore.

Do terror ao humor, a violência espoletada pelo tremor de terra é de tal maneira excessiva que nos leva, inesperadamente, para o mesmo território trash da cena no bar de motociclistas, em From Dusk Till Dawn (1996) de Robert Rodriguez. No entanto há a considerar que, em ambos os casos, o termo trash está mais associado a conceito do que a qualidade técnica. Aftershock, apesar do orçamento e de ter sido filmado com câmaras baratas resulta melhor visualmente que muitas produções luxuosas de um grande estúdio. E ousa ter óptimos efeitos especiais que não precisaram da ajuda do computador, o que no cinema actual é uma raridade bem-vinda. Por fim, saudamos a paixão que Eli Roth tem colocado nas homenagens ao universo obscuro do cinema de série Z, sugerindo um fascinante clima de festa que ultrapassa a tela e contagia o espectador. Trash, trash, trash, do melhor. //


Conheça aqui mais sobre Eli Roth e a série Hostel 

Em Busca Do Acorde Perdido






















Fonte: Scott Atormentado



Ao longo de duas décadas, comprámos ansiosamente o Expresso à procura das críticas de música de Ricardo Saló e de uma ou outra de cinema. Com as sucessivas remodelações do jornal, fomos largando o hábito. Hoje, ficámos a saber que Ricardo Saló foi dispensado do Expresso. Durante muitos anos, ofereceu descobertas e criou gostos para muitos melómanos portugueses. E agora, o que resta? Os conteúdos culturais - e podemos referir-nos também a sites e blogues - entregues a uma juventude ignorante e insuportável. Mais uma razão para não voltar a comprar o Expresso.

Na rádio, em programas memoráveis da Antena 1, XFM ou Voxx, com uma voz potente, Ricardo Saló apresentou-nos todo o acid jazz, o drum and bass, o hip-hop, o house, a soul e o techno que realmente interessavam, a Mo' Wax, a Les Disques du Crépuscule, a colecção Made to Measure da Cramned Discs, a Talkin' Loud ou a On-U Sound. Corria o mito de que as suas críticas esgotavam imediatamente o stock da Contraverso e da Bimotor, das poucas discotecas que na década de 1990 se apresentavam como alternativa à oferta das multinacionais. Lançou em Portugal um culto fervoroso por Dummy dos Portishead e por Dubnobasswithmyheadman dos Underworld. Quando Jon Hassell decretou o fim das fronteiras do quarto mundo com Dressing For Pleasure, foi dos poucos que lhe dedicaram a importância devida. Criou ondas de choque com a publicação de uma crítica pouco entusiástica ao concerto dos Mão Morta (vestidos de pijama?) no cinema Alvalade, na primeira parte dos Young Gods, muito celebrado pela juventude bem pensante que circulava entre a Contraverso e o Frágil. Em anos recentes, desafiou o público da imprensa de massas ao colocar discos do rei do techno minimal, Ricardo Villalobos, nas listas de melhores do ano. Ainda nos lembramos das palavras que dedicou ao fabuloso Fabric 36 de Villalobos: um imenso adeus ao século XX. Para Ricardo Saló, parece que chegou a hora de lhe cobrarem o atrevimento.

Todos estes factos são citados sem a consulta de qualquer fonte. Esperamos que, um livro com algumas das críticas que Ricardo Saló dividiu por várias publicações, possa reparar alguma incorrecção. Enquanto não chega, podemos ouvi-lo no programa Fuga da Arte da Antena 2, emitido aos domingos às 24h00. Também, desde Março, pode ser acompanhado no seu novo blogue, Em Busca Do Acorde Perdido, que tem a divisa 40 Anos a Desfazer Opinião. Começa com o hino Transmitting Live From Mars dos De La Soul. Boas memórias, pois foi num programa de rádio de Ricardo Saló que ouvimos este tema pela primeira vez. Um blogue para seguir atentamente, numa busca pelo passado em direcção ao futuro. //

Em Busca Do Acorde Perdido

No Green No Blue

















No Green No Blue (Marta Alvim, 2011)



Is it real what’s on the the outside?

Na próxima sexta-feira, na secção Mostra do Documentário Português do Panorama 2013, passa o filme No Green No Blue (2011) de Marta Alvim, numa sessão conjunta com Learning from Macau #1_#2 (2011) de José Maçãs de Carvalho e O Sortudo (2013) de Zimu Zhang. No Green No Blue é o resultado de uma viagem de Marta Alvim pela Ásia e a sua estreia em Lisboa acontece depois das instalações recentes de obras da artista na Galeria Solar e no MAC - Museo de Arte Contemporáneo Gas Natural Fenosa. 

No Green No Blue reflecte sobre o impacto dos valores sociais, na forma como estes alteram a noção de tempo e de espaço e o papel que cada indivíduo desempenha na sua própria vida e, consequentemente, na sociedade. Sugerindo diferentes olhares, o som e a imagem alternam entre o sonho e a realidade, o consciente e o subconsciente, criando uma narrativa que de forma metafórica revela  o poder e a fragilidade do Homem num mundo onde ele próprio se vê como o sistema. //



No Green No Blue (Marta Alvim, 2011)

Panorama 2013, o documentário no Cinema Novo
























Belarmino (Fernando Lopes, 1964)



Entre 3 e 11 de Maio, decorre a sétima edição do Panorama, Mostra do Documentário Português. Trata-se de uma iniciativa da Apordoc e da Câmara Municipal de Lisboa, que conta com a programação de Fernando Carrilho, João G. Rapazote e Madalena Miranda. A singularidade do Panorama reside não apenas na apresentação da produção recente, muito para além do que é mostrado no DocLisboa, mas também no estabelecimento de percursos pela história do documentário feito em Portugal ou por portugueses. Pelo meio há espaços de debate entre programadores, produtores e público.

A abertura do Panorama 2013 deu-se com a exibição de Belarmino (1964) de Fernando Lopes, focado na vida de Belarmino Fragoso, um antigo pugilista que, depois de passado o sucesso, ganha a vida como engraxador e colorista de fotografias. Já longe do registo das comédias populares centradas na vida quotidiana da cidade de Lisboa, Belarmino é contaminado pelas novas vagas que percorriam o cinema mundial da época, abrindo o dispositivo documental a elementos próximos do cinema de ficção. A apresentação de Belarmino na óptima sala do Cinema S. Jorge foi uma boa oportunidade para rever a grandeza desta obra fundamental do cinema português. No final, como que transportado por uma máquina fabulosa, o Trio Hot Club de Portugal saiu da tela e presenteou o público com a música que criou e interpreta em Belarmino e, também, com alguns standards do jazz. A sessão de abertura do Panorama revelou-se, assim, uma bela e comovente homenagem a Fernando Lopes e um aperitivo para a secção "Documentário no Cinema Novo", que acontecerá nos primeiros dias da próxima semana na Cinemateca Portuguesa. De notar que foi no documentário que, em plena ditadura, a maior parte dos nomes que associamos ao Cinema Novo iniciou as suas actividades profissionais no cinema. Acto da Primavera (1962) de Manoel de Oliveira é o primeiro filme a ser exibido e seguir-se-ão obras de Alberto Seixas Santos, António Reis (com César Guerra Leal), Manuel Costa e Silva e Paulo Rocha, entre outros. Segundo a organização, algumas das cópias a apresentar foram recentemente restauradas. Uma nota especial para a sessão de terça-feira, que reflecte a acção da censura sobre a representação do colonialismo no cinema português, com a exibição de Angola Terra do Passado e do Futuro (António Escudeiro, 1972) e de Catembe (Faria de Almeida, 1964). Deste último serão mostradas, como extra, as cenas censuradas.

Para além do panorama sobre os documentários mais recentes, há ainda a referir: um conjunto de filmes produzidos para Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura ou para o 20º aniversário do Curtas Vila do Conde; o DocLisboa 2012 visto pelos filmes portugueses que nele participaram; o documentário e a televisão; e uma nova secção, que se pretende prolongar pelas próximas edições, dedicada à cidade de Lisboa. Na sessão de encerramento voltamos ao período do Cinema Novo com três filmes curtos que António de Macedo, António-Pedro Vasconcelos e João César Monteiro dedicaram a três personalidades da cultura portuguesa: Almada Negreiros, Fernando Lopes Graça e Sophia de Mello Breyner Andresen, respectivamente. O catálogo da mostra é outro elemento valioso, contendo notas de apresentação das secções por parte dos programadores, textos de críticos e investigadores - Francisco Rui Cádima,  José Manuel Costa, José Bértolo e Paulo Cunha - e entrevistas a Anna Glogowski (consultora de programação do DocLisboa), António de Macedo, António Escudeiro e José Fonseca e Costa. Num ano em que, tal como todas as outras instituições e eventos culturais portugueses, o Panorama sofre pesadas restrições orçamentais, é de saudar a sua vitalidade na resposta a este cenário com o alargamento para outros espaços (Teatro do Bairro) e o estabelecimento de uma nova secção que visa criar pontes visuais com a riqueza da cidade que o acolhe. //